segunda-feira, 18 de abril de 2011

Novos problemas, antigos erros

As autoridades brasileiras, em todos os níveis, esferas, e unidades da federação, insistem em cometer equívocos na tentativa de solucionar problemas perenes que ocorrem no seio social. É a velha e burra prática de tentar remediar o problema, dando soluções "tapa-buraco" em problemas que já reclamavam, e há muito tempo, uma solução definitiva. Nas enchentes e deslizamentos de terra ocorridos no início do ano no Estado do Rio de Janeiro, nós vimos um claro exemplo disso. Todo mundo sabia que a área era de risco...outros deslizamentos menores já haviam ocorrido nos anos anteriores, no mesmo período inclusive, e novamente uma tragédia terrível aconteceu. A partir daí, para tentar acalmar os ânimos e pôr panos quentes na imprensa e na opinião pública, o governo estadual aparece com todo o seu aparato, fala em indenizar as famílias e o governo federal vêm à imprensa apresentar um supercomputador que prevê com mais exatidão o tempo, etc, etc.... Há poucos dias, no mesmo estado, uma outra tragédia de comoção nacional: uma escola estadual em Realengo, na capital fluminense, foi cenário de uma fatalidade sem precedentes, na ocasião em que um lunático armados de dois revólveres e "jet loaders" matou 12 crianças. Aí vem o Congresso Nacional querendo organizar novo Referendo sobre a comercialização de armas no Brasil. Mas o referendo já foi feito em 2005 e a sociedade rejeitou o art. 35 da Lei 10.826/06 que proibia a comercialização de armas e munições em território nacional. Então, por causa de um problema que foi pontual, uma tragédia descomunal, que arrazou famílias, vai se convocar uma nova consulta popular, sobre algo que não é a causa do que ocorreu em Realengo? Qualquer um sabe que o problema de armas no Brasil não é o seu comércio legal, mas o contrabando desenfreado que ocorre nas fronteiras do Brasil. Basta lembrar que é proibida a comercialização de fuzis 5.56 e 7.62, por exemplo, mas no mesmo Estado do Rio de Janeiro, os morros andam abarrotados deste tipo de armamento. Então o cidadão foi na loja e comprou o fuziu?! É Claro que não! Aproveita-se de uma tragédia como essa que merecia discussões sérias no nível de repressão ao contrabando de armas e munições, para trazer a opinião pública a manifestar-se novamente, e apenas 6 anos depois, sobre novo referendo sobre a comercialização de armas? E por que já não se tem uma política pública séria no Brasil sobre a repressão ao contrabando e ao descaminho fronteiriços? Por que não se triplica o contingente de PFs, PRFs e Exército nas fronteiras para uma fiscalização realmente eficaz, em vez de tentar ficar tapeando o povo brasileiro, usando a opinião pública para buscar soluções apenas de fachada, para dar aparência de que se está fazendo algo para evitar novas tragédias como a de Realengo? Inicialmente, é bom que se diga que a tragédia de Realengo foi uma fatalidade, não havia como ser evitado. O estado não pode ser onipresente, e não pode investigar toda e qualquer pessoa para saber de suas intenções delitivas, e aí, muito menos, as intenções provenientes de mentes doentias que arquitetam uma ação daquelas com precisão cirúrgica. Se houvesse um policial na porta da escola, seria o primeiro a ser morto. Se os professores estivessem armados (como algumas escolas do EUA), era só armas e munições a mais para o atirador. Pode até ser que se a consulta popular resultar na proibição de comercialização de armas e munições, reduza, há muito longo prazo, problemas de violência urbana, uma vez que podemos considerar que parte das armas que caem nas mãos de criminosos tem origem lícita. Todavia, o mais importante é realmente a repressão ao contrabando e tráfico de armas. Talvez aumentar as penas cominadas aos delitos dos art. 12 (posse), art. 14 (porte) e art. 16 (figuras autônomas de posse e porte em circunstâncias específicas) da Lei 10.826/06 também ajudasse nisto. Já nova campanha do Ministério da Justiça para entrega voluntárias de armas, penso que seria outra solução que traria um problema talvez ainda maior. É que durante este novo prazo para entrega de armas, deixará de constituir crime os delitos da Lei 10.826/06 (Estatuto do Desarmamento) pela ocorrência de abolitio criminis temporária. Muita gente presa no período das outras campanhas foram soltas e tiveram trancadas as ações penais das quais eram réus por conta desta figura, que deixa de considerar crime, a posse e o porte de armas no período em que o próprio Estado possibilitou sua entrega voluntária. Muitos poderão aproveitar disso para andar armados na rua para cometer delitos sem a menor preocupação, sabendo nessa "brecha" na lei que a defesa poderá utilizar. Cometendo o delito, e sendo preso, reponderá pelo crime que cometeu usando da arma; mas cometendo e não sendo localizado, ou localizado antes de cometê-lo, não poderá responder apenas pelo delito de posse/porte da arma que vier a portar por falta de justa causa. A tragédia de Realengo talvez pudesse ser dificultada por uma política de segurança pública muito intensa, reprimindo o contrabando de armas nas fronteiras e há pelo menos uns 30 ou 40 anos atrás. Mas evitada, penso que nunca poderia ter sido. Consideremos menos graves os resultados por que aquele sargento da PM apareceu no local e deu fim à ação delituosa, senão os danos e o luto seria muito maior.