domingo, 8 de agosto de 2010

Confronto entre princípios

Estuda-se princípios e regras como espécies do gênero normas jurídicas.

Fala-se que uma das principais diferenças entre princípios e regras são a generalidade e abstração - quanto maior carga de generalidade e abstração, mais identificada está o princípio, e do contrário, termos características de regra.

Comenta-se, também, que entre regras pode haver conflito que retire validade entre uma das regras conflitantes; já os princípios, ainda que entrem em rota de colisão, se harmonizam e convivem.

Mas há casos muito complexos, como o conflito entre os princípios da liberdade de expressão e de imprensa, e o da vida privada e intimidade.

Estamos vendo estes princípios constitucionais em conflito no caso do goleiro Bruno na TV.

A imprensa deve dar informação, é direito dela passar a informação e do povo em tê-la. É direito do indivíduo se expressar, vedado o anonimato. Desde que o indivíduo "dê as caras", ele pode opinar sobre qualquer coisa, de igual modo pode a imprensa veicular todo tipo de assunto, respondendo pelos excessos que cometer, previstos na Lei de Imprensa ou na Constituição da República, sendo o direito de resposta proporcionalmente ao agravo a mais usual das reparações.

A Constituição da República ainda fala sobre o estado de inocência, corolário do devido processo legal em sua forma substantiva, em virtude da qual ninguém poderá ser considerado culpado antes de sentença penal condenatória em que não caiba mais recurso.

Talvez no país, notadamente na imprensa, haja um certo exagero nos casos policiais, em evidente ofensa à intimidade, à vida privada e à honra dos que figuram como investigados em processo criminal. O goleiro Bruno esteve na capa de VEJA 3 edições atrás, na qual era tachado de monstro e eram expostas situações de sua vida privada classificadas como "orgia, horror e traição". Talvez os editores da conceituada revista não gostariam de ver suas particularidades expostas ao povo brasileiro.

Bruno é um investigado, aliás, um denunciado. Figura como acusado em um processo criminal que anda longe de terminar, portanto, de acordo com a Constituição da República, ele é um inocente. Não há o corpo de delito do crime no qual ele é acusado (no caso, o corpo de Eliza Samúdio), o que torna a tarefa da acusação ainda mais dificultosa. Não está se querendo dizer que não se poderá provar a ocorrência do crime: existem outros meios (DNA, exposição de materiais ao luminol (blue fast), provas testemunhais) que possam, juntas, ensejar uma sólida incriminação. Mas que é mais difícil a acusação de um homicídio sem cadáver, é. Claro que é.

Por dias a imprensa vem dando grandes espaços dedicados a expor e massacrar a imagem do goleiro, em ordem a tornar já irreparável sua "boa imagem" caso seja absolvido, ou caso não se prove ter havido o crime, ou ainda, se Eliza aparecer ao vivo em rede nacional. Não é demais lembrar do caso dos irmãos Naves, no qual dois irmãos foram condenados por homicídio, um deles morreu durante o cumprimento da pena, e depois, a vítima apareceu andando sorridente pelas ruas mineiras, e não era um fantasma.

Também não está a defender um suspeito de tão odioso e hediondo crime, mas está se chamando atenção para que ele seja apenas o que é até o momento: um suspeito.

Eu sou anti-flamenguista, achava ele um péssimo goleiro, de temperamento explosivo e declarações polêmicas na imprensa. Penso até que a acusação logrará êxito em provar o crime e sua autoria, graças ao bom trabalho das Polícias Civis envolvidas no caso. Mas tem que se ter mais cautela na veiculação destas reportagens policiais. Não há indenização que pague uma imagem estragada, não há nada que repare uma exposição à imprensa em ordem a incriminar alguém, e depois sabê-lo inocente.

Os princípios teriam que se harmonizar, mas na prática tem sido difícil. A imprensa deveria passar a informação, tem o direito, o dever. Mas poderia ser algo mais imparcial, mas adequado à situação do investigado, digo, adequado à condição de incerteza perene sobre o caso.

Mas o lucro, a venda, o capitalismo, impera sobre tudo, sobre todos. O dinheiro é o senhor deste mundo, compra os que governam, os que detem poder, mando, etc...por que com a imprensa haveria de ser diferente...

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